"José sempre se perguntava: o que era
preciso para que uma pessoa se tornasse um escritor? Ele tinha algumas
certezas. A primeira, óbvia: era necesario gostar de ler, aprende-se a escrever
lendo. O único escritor analfabeto tinha sido Catarina de Siena, que viveu no
século XIV em Roma. Mas ela era uma santa e isso podia ser considerado um
milagre.
Ele achava imposible alguém produzir um
livro “ditando”. O livro tinha que ser escrito de preferência ser digitado numa
máquina, mas também aceitava os que eram escritos à mão. Havía exceções que deixavam perplejo, como Milton, cego, ditando a
obra-prima Paraíso perdido. […]
E isso seria suficiente
para a pessoa se tornar um escritor? Gostar de ler e de digitar palavras? José
sabia que o mais importante requisito era “motivaçao”, essa energia
psicológica, essa tensão que põe em movimento o organismo humano, determinando
um certo comportamento. José sabia que se o aspirante a escritor não tiver uma
motivaçao forte escreverá quando muito alguns poemas de dor de cotovelo, alguns
contos, talvez mesmo um romace, mas logo desistirá. José estava certo de que na
reallidade a motivaçao de cada escritor está essencialmente ligada à sua vida,
sua experiência, desejos, ambições, sonhos, pesadelos. Não interessa o tipo de
motivaçao, apenas tem que ser suficientemente forte.
José estava motivado,
mas sabia que necessitava de outros requisitos, um deles “paciência”, não a
resignação conformista, mas a capacidade de perseverar, de enfrentar com
autocontrole as dificuldades que surgiram durante o processo, a paciência para
controlar a su pressa sem deixar de tê-la, o que pode ser simbolizado pela
frase favorita do imperador Augusto, segundo o historiador clássico Suetônio:
Festina lente. “Apressa-te devagar”, o que parece um paradoxo, mas não é. O
filósofo Edmund Burke disse: “Nossa paciência conseguirá mais do que nossa
força”. Mas José sabia que além de tudo isso precisava ter imaginação. Ele
podia usar a realidade, como Balzac, Zola e outros, mas sabia que sem imaginação
não conseguiria escrever um bom texto de ficção. Sem imaginação não existia
literatura e ele lembrava-ses de uma frase de Burckhardt, “a imaginação era mãe
da ficção, a mãe da poesia e até mesmo a mãe da História”.
Além de tudo isso, José
sabia que precisava ter coragem de dizer o que era proibido de ser dito,
coragem de dizer o que ninguém queria ouvir. Ele já falou sobre isso inúmeras
vezes [...]"
* José, Rubem Fonseca, Sextante Editora, Porto, 2012.
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