miércoles, 20 de junio de 2007

TENGO UNA CITA. FERNANDO PESSOA (1888-1935)



Toda a vida da alma humana é um movimento na penumbra. Vivemos, num lusco-fusco da consciência, nunca certos com o que somos ou com o que nos supomos ser. Nos melhores de nós vive a vaidade de qualquer coisa, e há um erro cujo ângulo não sabemos. Somos qualquer coisa que se passa no intervalo de um espectáculo; por vezes, por certas portas, entrevemos o que talvez não seja senão cenário. Todo o mundo é confuso, como vozes na noite.

Estas páginas, em que registo com uma clareza que dura para elas, agora mesmo as reli e me interrogo. Que é isto, e para que é isto? Quem sou quando sinto? Que coisa morro quando sou?

Como alguém que, de muito alto, tente distinguir as vidas do vale, eu assim mesmo me contemplo de um cimo, e sou, com tudo, uma paisagem indistinta e confusa.

É nestas horas de um abismo na alma que o mais pequeno pormenor me oprime como uma carta de adeus. Sinto-me constantemente numa véspera de despertar, sofro-me o invólucro de mim mesmo, num abafamento de conclusões. De bom grado gritaria se a minha voz chegasse a qualquer parte. Mas há um grande sono comigo, e desloca-se de umas sensações para outras como uma sucessão de nuvens, das que deixam de diversas cores de sol e verde a relva meio ensombrada dos campos prolongados.


Sou como alguém que procura ao acaso, não sabendo onde foi oculto o objecto que lhe não disseram o que é. Jogamos às escondidas com ninguém. Há, algures, um subterfúgio transcendente, uma divindade fluida e só ouvida.

Releio, sim, estas páginas que representam horas pobres, pequenos sossegos ou ilusões, grandes esperanças desviadas para a paisagem, mágoas como quartos onde se não entra, certas vozes, um grande cansaço, o evangelho por escrever.

Cada um tem a sua vaidade, e a vaidade de cada um é o seu esquecimento de que há outros com alma igual. A minha vaidade são algumas páginas, uns trechos, certas dúvidas...

Releio? Menti! Não ouso reler. Não posso reler. De que me serve reler? O que está ali é outro. Já não compreendo nada...

10-4-1930

LIVRO DO DESASSOSEGO, POR BERNARDO SOARES.



GRANDES SAO OS DESERTOS... (ÁLVARO CAMPOS)


PESSOA EN CONTRESENTIDOS

1 comentario:

Fustafio dijo...

Buenas compañero, te debo dos mensajes, uno de agradecimiento, no solo por la mención, sino también por la motivación que produjiste (ese día colgque dos comentarios en mi blog), y otro sobre el bloging, que siento mucho pero tendrá que esperar, estoy enfrascado en un debate interesante a la vez de durísimo sobre la movida que esta pasando en azuqueca (guada), ya sabes iu no voto al psoe y el pp entro en el equipo de gobierno.

Si te apeteces te puedes pasar, es en el blog que oscar cuevas tiene en el decano de guadalajara.

un saludo y ánimo, te ví desanimado con el tema bloging, me preocupaste, pero veo que sigues actualizando lo cual me tranquiliza.

salud compañero